quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Tarte au Chocolat au Beurre Salé

Tenho que confessar: sou um chocólatra.
Um tablete não sobrevive na minha mão aos 30 primeiros minutos de um bom filme.

Quando provei pela primeira vez esta receita (que me passou uma amiga da minha chérie) automaticamente me vieram lágrimas aos olhos.
Pensando bem, talvez tenha sido a saliva em excesso que se formou dentro da minha boca que terminou saindo por lá...

Gente, é de comer ajoelhado.

Uma característica muito interessante desta torta é que na sua massa vai manteiga com sal. Talvez por isso ela não seja enjoativa: o açúcar e o tom levemente salgado da manteiga se fundem para resultar em um equilíbrio perfeito. E a sua consistência meio mousse, então...
Com um bom esspresso e um pouquinho de chantilly, não hà nada melhor para o coffee-break.

A idéia de utilizar manteiga salgada em receitas é uma tradição no noroeste da França, numa região chamada Bretagne. Desta região vêm os deliciosos caramels au beurre salé e as galettes au beurre salé (espécie de crêpe salgado, com os recheios mais diversos - receitas aqui em breve!).

A cidade de Brest, em Bretagne.

Segundo o blog de Glace Choco, a explicação para a utilização desta iguaria em escala massiva na culinária bretonne se deve ao fato de que, em 1343, o rei Philippe VI de Valois aplica sobre todo o território francês uma taxa sobre o sal. Por consequência, este se torna um artigo de luxo do qual somente as famílias mais abastadas poderiam usufruir. A manteiga, que até então era salgada, passa a ser sem sal.

Como a Bretagne não fazia parte da França neste período (ela estava sob o jugo da Inglaterra), a lei não se aplicava ao seu domínio. Por isso a cultura e fabricação da manteiga salgada (e a sua utilização nos mais diversos pratos) continuou em plena força no solo breton.
Quando a Bretagne foi finalmente reincorporada ao reino Francês, ela consegue manter os seus privilégios anteriores e, com isso, a manteiga salgada continua a fazer parte do cotidiano dos seus habitantes.

Manteigas à parte, passêmos ao que interessa:


Tarte au Chocolat au Beurre Salé
(Torta de Chocolate com Manteiga Salgada)



Tempo de Preparação: 30 min + 4h de congelamento

Ingredientes:

  • 3 Ovos
  • 125g de açúcar
  • 100g de farinha
  • 200g de chocolate meio amargo, 70% cacau, se possível
  • 150ml de água
  • 125g de manteiga com sal

Modo de Preparo:

  1. Em uma tigela profunda, bata os ovo inteiros com o açúcar. Depois adicione pouco à pouco a farinha, batendo todo tempo, até que esta se torna uma mistura homogênea.
  2. Pré-aqueça o forno a 200° (termostato 6-7). Em um recipiente especial por micro-ondas, quebre o chocolate em pedaços e adicione a água. Derreta durante 2 minutos.
  3. Misture o chocolate derretido com a água e adicione agora a manteiga em cubos. Leve novamente ao micro-ondas por mais 1 ou 2 minutos. Misture novamente para formar uma pasta.
  4. Adicione agora o chocolate derretido na massa de ovos-açúcar-farinha e misture bem.
  5. Passe a mistura para uma forma untada com manteiga salgada e leve ao forno por 12min.
  6. Ao retirar a torta do forno, o seu interior não deve estar totalmente cozido. Teste introduzindo a lâmina de uma faca: ela deve sair com massa de chocolate colada a si.
  7. Deixe esfriar 1h e leve ao freezer por 4h. Esta dica de congelamento rápido faz com que a torta ganhe um aspecto de quase um mousse quando descongelada. Ela pode mesmo ser guardada ao freezer durante várias semanas.
  8. Ao momento de servir, deixe a torta à temperatura ambiente durante alguns minutos, assim ela retorna a sua consistência perfeita.

Et bon appétit!




segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Coq au Vin, um clássico.

Quando se fala em cozinha francêsa de base, alguns pratos são incontornáveis, como o Canard à l'Orange, o Confit de Canard, o delicioso Foie-gras, etc.
E este é o caso também para o Coq au Vin.

Literalmente "Galo ao Vinho", trata-se de um prato de praparação simples, porém seu tempo de cozimento é razoavelmente longo. Ao menos na receita original, onde se utiliza um galo adulto, que tem a carne bastante firme e que deve por isso passar um bom tempo ao fogo.

Como são poucas as pessoas que têm a sorte (?!) de morar numa fazenda ou ter um galinheiro no quintal de casa hoje em dia, mesmo na França é difícil de por as mãos num galo adulto de verdade.

Pode-se, contudo, utilizar com o mesmo sucesso a carne de frango normal. O importante é saber que a sua carne, sendo bem mais tenra, deve passar menos tempo cozinhando.

Reza a lenda que o criador desta iguaria seria o conquistador romano Júlio César em pessoa!

Na época da ocupação romana na França, uma região chamada Auvergne (no centro-leste do país) abrigava a mais forte resistência contra o império. Os Gaulêses (Sim! Os compatriotas de Asterix e Obelix!) eram um povo forte e orgulhoso e que, mesmo cercados pelas tropas do imperador, resolveram fazer uma provocação. Como presente de rendição, o chefe Gaulês entregou a Júlio César um galo muito magro, mas firme e combativo, como símbolo da sua resistência.

César, que não era propriamente dito um tolo, resolveu devolver a provocação. Convidou o chefe Gaulês e seus homens para o jantar no dia seguinte, onde ele serviu uma deliciosa preparação de cor púrpura e fumegante. Os bárbaros se deliciaram com o prato e ao final da refeição perguntaram do que se tratava. César, teria respondido: "Esta, meu caro amigo, é a carne do seu galo, amaciada pelo vinho romano e cozida muito lentamente!".

Bom, histórias à parte, passemos a coisas mais sérias. ;)

Coq au Vin (Galo ao Vinho)




















Tempo de preparação: 20min + 12h de marinada + 2h de cozimento

Ingredientes (para 4 pessoas)

  • 4 coxas com sobre-coxas de frango
  • 1 garrafa (700ml) de vinho tinto Pinot Noir, de preferência
  • 125g de bacon em cubos
  • 125g de champignons (se em conserva, peso após retirada a parte líquida)
  • 1 cebola média
  • 2 cenouras
  • 2 dentes de alho
  • 1 folha de louro
  • 1 col. de sobrem. de tomilho
  • 500ml de caldo de carne (Maggi, p. ex.)
  • 50ml de um brandy (Dreher ou Domecq, p. ex.) para flambar
  • 3 col. de sopa de óleo de soja
  • 1 col. de sopa de farinha
  • 1 col. de sopa de salsa picada
  • Sal e pimenta
Modo de Preparo

  1. Prepare a marinada no dia anterior ao cozimento: separe as coxas das sobre-coxas, corte a cebola em fatias e as cenouras em rodelas não muito finas. Passe tudo para uma vasilha funda e regue com o vinho tinto - que não precisa ser de excelente qualidade. Adicione a folha de louro e o tomilho.

  2. Cubra a vasilha com um filme plástico e leve à geladeira por uma noite inteira.

  3. Ao momento de cozinhar, retire e separe os pedaços de frango dos legumes da marinada. Reserve o líquido.

  4. Aqueça uma panela de fundo grosso, que vai ser utilizada para o cozimento, com o óleo de soja. Frite os pedaços de frango de todos os lados em fogo alto. Reserve-os.

  5. Frite na mesma panela agora os legumes, durante 3/4min. Polvilhe com a farinha e mexa bem.

  6. Retorne os pedaços de frango à panela, juntamente com o alho esmagado.

  7. Flambe ao brandy. CUIDADO! Afaste o rosto da panela ao momento de flambar. Ninguém quer um Coq au Vin com gosto de cílios queimados!

  8. Adicone o vinho da marinada e o caldo de carne. Sal e pimenta à gosto.

  9. Leve à fervura e tampe a panela.

  10. Baixe o fogo e cozinhe por 1h30min. Se você conseguiu carne de galo de verdade com aquele seu visinho que tem uma granja, parabéns! Aumente o tempo de cozimento para 2h30min.

  11. 15min antes do fim do tempo de cozimento, frite em uma frigideira à parte o bacon em cubos com os cogumelos limpos e cortados em grossas fatias. Escorra e retire a gordura e passe o bacon e o cogumelos para a panela do frango.

  12. Prove e corrija sal e pimenta se necessario. Espete um garfo no frango: a sua consistência deve ser quase se soltando do osso.

  13. Ao momento de servir, salpique com a salsa picada e sirva com batatas cozidas ao vapor ou uma massa do tipo tagliatelli.
Et bon appétit!

Metendo a mão na massa.

Eu confesso: a idéia não foi minha.

Foi no final de 2007 que, durante um conversa através do Skype (bendito seja o seu inventor!) com um grande amigo que mora em São Paulo, a sua esposa - e minha cumadre - pediu a palavra. Ela estava super preocupada pois as festas de fim de ano estavam chegando e ela não tinha ainda a mínima idéia do que cozinhar para a ceia de Natal da família. Em suas palavras, ela queria alguma receita que "levasse peru, mas que fosse diferente!".

Depois de alguns minutos buscando na minha memória a lembrança de algum prato que tenha peru como ingrediente, mas "que seja diferente", resolvi desistir. Prometi que iria pesquisar e que mandaria por email a resposta. Ela aproveitou e me pediu que eu enviasse também mais algumas outras receitas das quais eu tinha comentado que estava testando em casa...
"Pensando bem", disse ela rindo, "por que você não faz um blog, hein?! Poderia ser bacana, né?!"
Um blog??? Na hora pensei a todo trabalho que daria para formatar, pesquisar e atualizar um projeto desses... Eu que não teria paciência nem para ter um tamagotchi!
E mais, a quem iria interessar mais uma página web de receitas como existem aos montes online hoje?
Na hora não fiquei muito entusiasmado.

Nos dias que se seguiram comecei a pensar mais e mais sobre o assunto.
Mas por que NÃO fazer um blog? Eu poderia fazer algo diferente dos milhares de sites de cozinha que simplesmente enumeram os ingredientes e os passos de execução como um processo mecânico... Eu poderia escrever um pouco sobre os pratos! Contando uma curiosidade, sua origem provável, uma história...

E mais, aproveitando a grande chance de morar em Bordeaux, na França, e a chance ainda maior de fazer o que eu gosto e de ser cozinheiro, por que não fazer algo específico sobre a culinária francêsa?
Eu poderia assim compartilhar a minha paixão pela gastronomia rendendo ainda um serviço aos amantes da boa mesa no Brasil, traduzindo receitas e adaptando-as aos ingredientes que possam ser encontrados mais facilmente na terrinha. Afinal não se encontra, por exemplo, gras de canard (gordura de pato em lata) ou feuilles de brick (folhas finíssimas de massa de trigo, que ficam crocantes ao passarem pelo forno) nas prateleiras de qualquer supermercado de São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. Ou pelo menos pelo instante! Quem sabe um dia...

Ainda teria a chance de criar mais um vínculo com a minha Pátria Amada, de escrever e praticar o meu português (parece brincadeira, mas se a gente não usa, a língua enferruja também!) e de mostrar um pouquinho da cultura da minha terra de adoção, a França, este país tão menor que o Brasil em área, mas não menos belo e complexo.

Finalmente, enviando algumas pérolas de receitas da cozinha francêsa para o Brasil, vou poder me sentir um pouco vingando os "olheiros" de clubes de futebol europeu que vêm todos os anos levar embora os nosso talentos pra fora. Hehehe...

Então ficou decidido: vou abraçar esta idéia.
Vou traficar receitas.

Vamos ver no que vai dar!