
Então estamos de novo na época de Carnaval.
Eu, como todo brasileiro que se preze, comecei a sentir a agitação natural que o período desencadeia. Como se o coração desse lugar a um surdo que bate no ritmo da folia.
Eh um sentimento um pouco inexplicável, uma energia invisível que eu aprendi a apreciar desde pequeno. Do tempo dos bailes de carnaval fantasiado, de conféti e serpentina. De festa.
Aquela sensção de que as férias de verão estavam alcançando o seu apogeu!
Certo que depois destes quatro dias de êxtase, as aulas iriam recomeçar. O trabalho estaria esperando. A cidade de novo, adeus praia. Adeus areia, adeus mar. Até o ano seguinte.
Mas não antes daqueles quatro dias de festa.
Que maravilha.
Infelizmente não tem desfile de Escolas de Samba aqui em Bordeaux. Tem, é verdade, alguns grupos de percussão brasileira (atenção: a
percussão é que é brasileira, os músicos são quase todos francêses, então já viram...) e também de outros países ritmados, que fazem um
desfile que não tem nem de longe a produção de uma Sapucaí.
Mas o importante é que todo mundo se diverte.

A parada de Carnaval daqui é até que super animada... para os padrões europeus.
Tem criança fantasiada. Tem bandolin, tem corneta e tambor.
Tem gente dançando. E outros se sacudindo, achando que estão dançando.
E muito importante: tem
CRÊPES!!!!
Ah, e isso sim, eles sabem fazer bem.
Pode ser que Carnaval e folia não sejam muito o negócio dos francêses. Mas quando o assunto é comida, tenho que dar o braço a torcer.
Isso se faz bem por toda a França e Bordeaux não é exceção.
Descobri neste último sabado que a tradição por aqui (sim, mais uma relacionada à comida!) é de servir crêpes doces no dia de
Chandeleur. Todo dia
2 de fevereiro - 40 dias exatos depois do Natal - as cozinhas da casas, dos cafés e dos restaurantes são inundados pelo doce aroma de baunilha e
fleur d'orange.

Dizem que para dar sorte, o ritual de preparo destas iguarias é fazer saltar o primeiro crêpe da "rodada" na frigideira com uma mão, segurando uma moeda na outra. Eh sucesso financeiro garantido por um ano inteiro.
Fazendo as minhas pesquisas descobri que, como tantas outras festas européias,
Chandeleur tem as suas prováveis raízes no Cristianismo e no paganismo.
Para os pagãos romanos pré-cristianismo, em torno desta data comemorava-se a festa em homenagem ao deus Pan (protetor dos animais e dos rebanhos) quando era costume então percorrer as ruas de Roma portando velas acessas nas mãos. Devia ser bonito, não?
Já para os cristãos, 2 de fevereiro representa a data na qual Jesus teria sido apresentado ao Templo de Jerusalém por sua mãe, Maria. A festa cristã teria sido instaurada pelo Papa
Gélase Ier no século V, aproveitando a data da já existente festa pagã. Ele também ordenara que fossem servidas galettes de farinha para os pelegrinos que viessem até Roma, como uma forma de benedicção. Não, não! Não era uma forma de atrair os camponêses que morriam de fome naquela época e garantir uma multidão para a festa... Aham, sei!
Aparentemente o costume se conservou.
Como muitas outras guloseimas, os crêpes também estão associados ao "mardi-gras" (ou "terça-feira gorda") quando se costumava comer em excesso como forma de preparação para a Quaresma (quarenta dias de interdicção de carne para os cristãos, que dura da Quarta-Feira de Cinzas até a Sexta-Feira Santa, na Pascoa!).
Simbolo do sol, da fortuna e da abundância, o crêpe se tornou sem duvida um dos tesouros francêses mais cultuados. E não é para menos. Quando bem feitos, eles são d-e-l-i-c-i-o-s-o-s.
Bem... Então não esqueçam: frigideira numa mão, moeda na outra.
E salta um crêpe aí!